29 junho, 2007

Tourada

No Pastoral Portuguesa:

"De volta à festa na RTP, um grupo de adolescentes descritos como sendo «forcados amadores de Alcochete» prepararam uma manobra no sentido de evitar que um touro com um ar muito pouco festivo se deslocasse do ponto A ao ponto C. Para este efeito, um dos adolescentes colocou-se no ponto B, tendo ainda o cuidado de informar a audiència sobre a espécie de animal que ali se encontrava para participar na festa: "É touro! É touro! É touro!"
O plano, contudo, foi evidentemente mal ensaiado. O touro, talvez com o pensamento ocupado por chapéus coloridos, línguas-da-sogra, e outros artigos festivos, insistiu em deslocar-se até uma determinada secção da arena, situada precisamente atrás do grupo de adolescentes. O primeiro adolescente tentou abraçar o touro. O segundo adolescente tentou abraçar o primeiro adolescente. O terceiro, quarto e quinto adolescentes tentaram abraçar-se a si próprios, enquanto o touro se esquivava a todas as manifestações de camaradagem, mostrando uma indiferença pelo clima próprio das festas que foi descrita pelo comentador da RTP nestes termos: "o touro a mostrar ali alguma maldade"."

17 junho, 2007

Richard Rorty (1931-2007)

Richard Rorty, filósofo, morre aos 75 anos.
É com esta frase seca que começam os obituários dos jornais norte-americanos e um obituário é uma das formas mais justas de homenagear Rorty. Uma forma de narrativa inexistente na Europa judaico-cristã: porquê celebrizar a vida no momento em que ainda se está de luto?
Rorty ficou conhecido por ter sido um relativista, um filósofo de pouco rigor, um inconsequente. Na América de esquerda, democrata, foi visto com desconfiança porque a defesa do pragmatismo de Dewey e James era demasiado liberal; a esquerda Europeia olhou-o de lado por razões semelhantes: Rorty meteu num saco Kant e sua ideia de paz perpétua mais a trilogia ideológica do Iluminismo "Liberté, Egalité, Fraternité" e esmagou-os com um murro. A direita norte-americana detestou-o quando abandonou a tradição analítica e embarcou pela filosofia da linguagem do Linguistic Turn e pelo misticismo de Wittgenstein. A direita europeia nunca o podia compreender: ele era um acérrimo defensor de todos os pensadores político-sociais da esperança utópica: Platão, o Hegel da Fenomenologia do Espírito, Marx, Trotsky e os pós-modernistas franceses, com Derrida e Foulcault à cabeça.
Rorty era um filósofo de concensos e talvez por isso não tenha conseguido nenhum. Explicando melhor, o ponto de partida do pragamatismo leva-o a pensar que nada é definitivo. Nada tem valor absoluto, nem sequer a História. E se a história da Filosofia não tinha chegado, ao fim de mais de dois mil anos, a nenhuma conclusão sobre aquilo a que se propunha, era porque os pontos de partida de cada um dos filósofos eram diferentes (circunstanciais) motivando todas as decisões intelectuais a partir daí. Qual a conclusão? A filosofia não dá respostas. Resolve problemas. Posta como tinha sido até à publicação de "De la gramatologie" e "Écriture et différance", de Derrida, a história das ideias tinha sido apenas uma discussão de termos, ou vocábulos, uma taxonomia de sentidos, como Wittgenstein já tinha sugerido. Mas Derrida é um filósofo impenetrável e Rorty é tão claro que foi acusado de estar mais próxima da literatura do que da filosofia.
Em "Contingência, Ironia e Solidariedade" põe os pontos nos is e assume a influência da literatura nas suas ideias. Procurando saber como é que o homem pode ser capaz de lidar com ideias contraditórias, que não cabem nos cânones éticos e psicológicos baseados na sucessão lógica, Rorty avança com a ideia do ironista liberal, como Nabokov. O ironista liberal será o homem que é capaz de determinar as suas acções em sentidos diametricalmente opostos sem se contradizer e conseguindo sempre um sentido para o que faz. Como? O ironista liberal é um homem da palavra. Não é um pregador (que foi a primeira coisa em que pensou, conforme conta nesta auto-biografia), mas antes uma pessoa capaz de discutir assuntos, aceitar ideias, mas também convencer. A ideia de solidariedade é mesmo essa: a de um mundo em conversação, constantemente a definir planos de melhoria das condições dos povos mais desprotegidos, sem o apoio de quadros de referência como a carta dos direitos humanos da ONU. No fundo, uma aceitação de parte a parte, com vista a objectivos específicos.
Rorty nunca será estudado nas escolas. As suas ideias e a sua forma de argumentar são demasiado radicais, reconciliadoras e sinceras para que sejam levadas a sério. Ainda para mais, em Portugal, um dos seus maiores discípulos é Manuel Maria Carrilho.