08 novembro, 2007

Empurrado por um vento idiota

Parto de coração vazio. Esta terra é pequena demais para se viver desta forma. A ficar, definhava certamente até não haver uma réstia de pensamento ou amor próprio dentro de mim. A partir, teria que ser definitivamente, com o compromisso de esmagar qualquer memória ou recordação que teimasse em acompanhar-me. De outra forma nunca conseguria existir.
É assim que chego à Cidade, sem qualquer contacto, referência ou prioridade.
Os primeiros tempos são de clausura quase total. Lentamente, como um animal recém-nascido, vou alargando o campo em que me movo. Todos os dias arrisco mais um pouco, dou mais uns passos, o mundo novo que tenho diante dos meus olhos obriga-me a penetrá-lo.
Além dos livros, chega o contacto com a música e o cinema. Eis Dylan. Bob que podia ser Thomas, Dylan por causa de Thomas. Lá, agora, sempre, Dylan. Blood on the Tracks faz a descrição do eu que trazia comigo. Dylan descreve tudo o que sinto de uma forma para mim inatingível ou sequer pensada. Dylan explica-me a existência desse vento idiota que nos empurra sem rumo ou destino, que nos despe de discernimento ou vontade e nos deixa apenas a vaguear inconscientemente por um mundo que não queremos nosso, mas que é o único que temos.

(…)
I can't feel you anymore, I can't even touch the books you've read
Every time I crawl past your door, I been wishing I was somebody else instead.
Down the highway, down the tracks, down the road to ecstasy,
I followed you beneath the stars, hounded by your memory
And all your raging glory.

I been double-crossed now for the very last time and now I'm finally free,
I kissed goodbye the howling beast on the borderline which separated you from me.
You'll never know the hurt I suffered nor the pain I rise above,
And I'll never know the same about you, your holiness or your kind of love,
And it makes me feel so sorry.

Idiot wind, blowing through the buttons of our coats,
Blowing through the letters that we wrote.
Idiot wind, blowing through the dust upon our shelves,
We're idiots, babe.
It's a wonder we can even feed ourselves
[1].

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[1]Letra de Idiot Wind, uma das músicas do álbum Blood On the Tracks de Bob Dylan, publicado em 1976


"Tarântula", única obra de ficção de Bob Dylan escrito em 1966, chegou ontem às livrarias.