30 novembro, 2005

Fernando Pessoa morreu no dia 30 de Novembro de 1935

Álvaro de Campos
AH, A Frescura Na Face de Não Cumprir um Dever!

AH, A Frescura Na Face de Não Cumprir um Dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte...
Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.
Fernando Pessoa

ANÁLISE

Tão Abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

12-1911

Segurança Social

Depois dos filhos deficientes tratados como animais nos currais no nosso lindo mundo rural, envoltos em merda e palha à sua volta, dos velhos abandonados nos lares pelos filhos, num isolamento involuntário a caminho da morte enquanto os descendentes vão seguindo a sua vida, a última notícia social que merece mesmo o título de impressionante sai hoje no Publico: "Doentes graves, africanos, depositados em pensões obscuras". Os filhos da puta coniventes com situações destas deveriam ser conhecidos e andar a pensar no que fizeram todos os dias até ao fim da vida. Pena que, para eles, tudo não passe de uma questão política e social. Não há ali carne nem doença, mas apenas um conjunto de pessoas que "vive" em condições desumanas.

O candidato a candidato

"Eu é que sou o Manuel Alegre, primeiro porque me chamo Manuel e depois porque sou muito alegre."
Manuel João Vieira

28 novembro, 2005

Forte das Berlengas, Agosto 2005

"Quando não se gosta da vida, vai-se ao cinema".
Truffaut

25 novembro, 2005

Cold Turkey, ou a inexplicável dependência do disparate

Porque é que tudo o que Bush faz nos aparece como um imenso disparate? A resposta que encontro é simples: Bush é em si um disparate. Bush é patético, ignorante, um parvo armado em esperto. Numa palavra, Bush é um TÓTÓ.
Vê-lo no meio de dois perus afirmando que os percebe muito bem, parece uma cena saída de um filme de Buster Keaton ou Charlie Chaplin. Façam lá o exercício de imaginação: cena a preto e branco, muda, com a musiquinha da época, no centro da qual Bush sorri alegremente, enquanto usa os seus insondáveis poderes para salvar dois perus de servirem de manjar no Thanksgiving Day. Hilariante, nem mais. Este Bush só se percebe no reino da ficção.

24 novembro, 2005

O lóbi gay

Eles fervilham, crescem e rev(b)elam-se como cogumelos escondidos debaixo do musgo a que as primeiras chuvas do Outono retiram a cobertura. Eles são os homossexuais. Eles, ajudados pelos média e algumas elites, armados com toques de modernidade, formam o já incontornável lóbi gay. Em crescendo por todo o mundo ocidental, forma-se naturalmente em Portugal.
O cinema deu os primeiros passos, as séries norte-americanas generalizaram o tema, os espaços de informação concederam-lhe naturalidade, as telenovelas a normalidade.
Já é normal ser-se gay em Portugal. À parte a musicalidade do slogan, ainda bem. É indiscutivelmente errada a existência de qualquer tipo de discriminação baseada na orientação sexual.
O tema ganha actualidade com o anúncio recente de Bento XVI, que pretende o afastamento dos padres homossexuais. Por razões óbvias apenas excluirão os que se assumirem enquanto tal, todos os outros poderão representar interiormente a figura medieval do padre gordo e careca que se chicoteia, mais que os outros, para combater o desejo homossexual que o invade.
Historicamente é um momento único. Não me refiro à discriminação directa e clara dos homossexuais, tão velha quanto a própria igreja, mas porque hoje existe um movimento organizado que lhes dá voz e lhes permite afrontar o cada-vez-menos-inquestionável Vaticano.
Têm defesa, portanto. Ficará para depois o comentário à primeira medida do pontificado de Bento XVI.
Quanto à comunidade gay, duas considerações:
1.Ser homossexual não é a coisa mais natural do mundo. O Homem é por natureza heterossexual, desde logo pela primordial constatação de que desse facto depende a sua sobrevivência e continuação enquanto espécie. A homossexualidade é efectivamente um comportamento desviante num plano muito concreto da vida dos indivíduos, o da sua vida sexual. Isto não faz do homossexual um indivíduo anormal, ponto assente.
Contudo, associado à comunidade gay, surgem frequentemente movimentos cujo desvio deixa de ser unicamente sexual, e inerentemente da esfera privada, traduzindo-se em derivações de ordem física (transsexualidade) e/ou social (travestismo e afins), essas sim verdadeiramente anormais. Temos como exemplo as Gay Parade, utilizadas como espaços de afirmação e de reivindicação dos direitos dos homossexuais, que num festival carnavalesco mostram uma anormalidade visível e explícita que muito contribui para o estereótipo e o preconceito.
2. Os direitos. Excluindo os direitos de seres humanos e cidadãos constitucionalmente garantidos e que se aplicam naturalmente a todos os indivíduos, destaco aqui os que me parecem mais relevantes: o direito a que o companheiro/a possa ser legalmente herdeiro sem a necessidade da figura do testamento, o casamento e a adopção. Ou seja, no fundo um só direito - o reconhecimento da relação homossexual com base nos mesmos pressupostos estipulados para a relação heterossexual.
Na génese, o erro. Não se pode exigir tratamento igual para situações que o não são. A desigualdade aqui não é sinónimo de discriminação, mas apenas de diferenciação. Não há casais de homossexuais (dicionário: "um casal é um par composto de macho e fêmea"), existem pessoas do mesmo sexo e de igual orientação sexual, que se juntam e que representam papéis na base da imitação dos comportamentos dos casais verdadeiros.
A família, elemento basilar na sustentação da sociedade desde sempre, não pode ser ficcionada ou representada, tem que ser real.
Não sou contra a criação de figuras jurídicas específicas que se apliquem às uniões entre homossexuais, que legitimem legalmente os seus relacionamentos e que considerem questões como as da herança. Acho, no entanto, que a aplicação deve ser rígida e só quando devidamente fundamentada. A verdade é que os relacionamentos entre homossexuais são normalmente pouco duradouros, instáveis, envolvendo por vezes terceiras pessoas, tendendo a estabilizar apenas em idades mais avançadas. Deveres e direitos como a fidelidade e a contribuição emocional para um agregado comum, pressupostos das uniões heterossexuais, não são na maioria dos casos identificadas e valorizadas numa união homossexual.
Por tudo isto, afirmo sem reservas a minha total discordância relativamente a qualquer iniciativa cujo objectivo seja a permissão de adopção de crianças neste contexto de imitação, de confusão de papéis e de instabilidade emocional.
As uniões homossexuais têm que ser identificadas enquanto tal, com direitos e deveres inerentes à especificidade deste tipo de relações. Juridica e socialmente podem e devem ter o seu espaço, um outro espaço.
Esta posição nada tem a ver com discriminação ou o facto de ser pró ou anti-natura. Anormal é querer considerar igual o que é diferente.

16 novembro, 2005

Nada como estudar por aqui...

O DN noticia hoje que vai existir uma avaliação excepcional no sistema educativo que pode passar repetentes.
A medida permite que os alunos em situação de reprovamento possam transitar de ano, de acordo com o parecer favorável de uma "avaliação extraordinária" feita pelos conselhos pedagócios das escolas. Ironicamente, esta medida serve, nas palavras de quem a assinou, para combater o insucesso e o abandono escolar no ensino básico.
Apesar de não ter muita idade, noto bastante bem a diferença entre o nível de educação actual e o que existia na altura em que estudava. Hoje é muito mais fácil obter boas notas e chegar ao fim de uma licenciatura, sem que se tenha apredendido até ao fim desse percurso nada de relevante, excepto nos casos em que o aluno se interessa por si.
Já no meu tempo (sem saudosismos) era assim. No entanto, existia uma triagem natural que seleccionava entre os casos que valia a pena levar por adiante e aqueles que deviam ficar por onde estavam. Tenho muitos amigos que não passaram do nono ano e nem por isso são inferiores a quem continuou. Hoje em dia, como há uma obsessão pelo direito aos direitos, as medidas de fixação dos alunos no sistema educativo parecem naturais. Porque é que não se deve forçar ao limite a permanência dos alunos na escola? Há o direito à educação que deve ser garantido pelo Estado. Mas esta é uma medida criada irresponsávelmente e de propósito para subir as estatísticas do sucesso escolar.
Primeira consequência: a taxa de concretização da escolaridade obrigatória vai aumentar. Mas se qualquer dia se fizer um estudo como aquele que, em Itália, concluiu que mais de metade da população era analfabeta ou a caminho, o choque vai ser grande. Talvez nem seja preciso. Basta sair à rua, olhar à volta, e perguntar a qualquer educando que circule no passeio se tem alguma ideia concreta sobre alguma coisa. E esperar a resposta.

15 novembro, 2005

Porquê votar num candidato?

Depois de ter visto a entrevista de Cavaco Silva na TVI e as declarações de Mário Soares em Guimarães, cheguei ao fim de uma ideia que por diversas vezes já me tinha saltado à memória durante esta campanha eleitoral. De todo o lixo que lhes sai pela boca, há um tema que nunca tocam, tal como o fazem os outros candidatos (ainda com discursos mais idiotas). É a abstenção. Com os políticos, está também a comunicação social e os comentadores periféricos que apoiam um ou outro candidato. Em 2001, nas últimas presidenciais, a percentagem de votantes foi de 50,91%. Se bem me lembro, houve depois, da parte de Jorge Sampaio, que vencera esse escrutínio, o apelo ao voto para que a abstenção não fosse a grande vencedora nas eleições que se iam fazendo. E por pouco que não foi. Nestas eleições, há um medo da abstenção que permanece escondido. E faz falta lembrar que as sondagens, que vão discutindo quem vai À frente e quem vai atrás, não consideram os não votantes. O barulho que todos os candidatos fazem, beneficia todos. Serão mais votos no geral, naturalmente repartidos por cada um. É como se não houvesse o direito a não votar em nenhum dos candidatos ou, dito de uma forma positiva, é como se o cidadão fosse obrigado a votar num dos candidatos ao lugar. Este é um facto próprio das presidenciais e, a bem dizer, anti-democrático. Em nenhuma outra eleição das que temos se passa o mesmo. Será por se tratar de pessoas e não de partidos? Em conjunto, não há ninguém que perca; despacha-se a culpa para o partido. Mas quando é uma cara que concorre, só uma pessoa perde.

10 novembro, 2005

“A vida tem fim, mas a luta é eterna”

Passam hoje 92 anos sobre o nascimento do auto-intitulado filho adoptivo do proletariado.
Fundador e eterno símbolo do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal foi também um dos comunistas mais relevantes e respeitados da Europa Ocidental.
Cunhal esteve muitas vezes, sobretudo depois do 25 de Abril de 74, no limiar entre o homem visionário e o homem que não quer ver, no limiar ente a convicção e a teimosia.
Longe de granjear consenso durante a sua vida, Cunhal não vê, felizmente, a hipócrita admiração generalizada pelo “homem de causas”, “pelo lutador”, “pelo resistente”, “pelo homem de convicções”, que surge no momento da sua morte.
Quando se tem um ideal o mundo é grande em qualquer parte, disse a propósito dos mais de oito anos que passou isolado numa cela. Cunhal tinha de facto um ideal.
Pessoalmente, mais do que motivos políticos e ideológicos, sempre me atraiu o movimento iconográfico da esquerda. As imagens que o constituem são uma forma de, por si só, contar a história da ascensão e queda do Comunismo no mundo. Falo da Europa de Leste e da América do Sul, mas também de Portugal.
A propósito da efeméride aqui ficam alguns desses registos, sinais de um tempo.

Sinais de um tempo






04 novembro, 2005

Existirá político, ainda que amador, mais desinteressante?

Cavaco Silva, diante de estudantes universitários, pronuncia-se sobre o perfil que deve ter o presidente da república: “o presidente da república deve perceber um pouco de tudo porque tem que se pronunciar sobre vários assuntos”.
Sobre o que o move como candidato, refere: “não são os poderes negativos do presidente da república que me motivam, portanto não me candidato para provocar instabilidade ou exercer esses poderes negativos.”
Instado a comentar o que Mário Soares disse sobre ele na entrevista da véspera, responde com o chavão do costume: “Não faço comentários, deixo os portugueses fazerem a sua avaliação”.
Se é por este D. Sebastião que os Portugueses esperam, melhor seria que não existissem manhãs de nevoeiro.

03 novembro, 2005

Político profissional não quer a reforma

Quem assistiu ontem à noite à entrevista de Mário Soares na TVI, percebeu, pelo menos eu percebi, que o homem vale bem mais do que os 10% que as sondagens lhe atribuem. Ficou claro que Mário Soares só tem a ganhar com este tipo de exposição, seja ela entrevista ou debate. Se Cavaco Silva se diz político não profissional, Mário Soares nem de pantufas a dormir a sesta no sofá deve conseguir ser outra coisa.
Mário Soares revelou-se ao seu melhor nível quando falou do perfil que Cavaco não tem para ser Presidente da República. Quando disse, com razão, que a Cavaco não se lhe conhece pensamento ou posição sobre outro assunto que não seja economia ou finanças. Que pensa Cavaco da crise que a Europa atravessa, da crise que Portugal atravessa, de Bush, do Iraque, da relação de Portugal com África e com os PALOP em concreto?
Gostei particularmente do argumento de que Cavaco se resguarda o mais possível para não avivar a memória, a má memória, que os Portugueses têm dele. É bem capaz de ser verdade.
Gostei da clareza e frontalidade com que deitou por terra o fantoche das eleições presidenciais apartidárias.
Contudo, Mário Soares também teve momentos maus. Esteve mal quando falou de Alegre – “ele é que devia ter a iniciativa de vir ter comigo porque eu sou mais velho”; do apoio do PS - “o PS é que me procurou para dizer: precisamos de si”. Esteve mal quando quis passar a mensagem de que também percebia de “números”, relatando, mas não de cabeça, os valores do défice no tempo da maioria laranja. Continuou por baixo ao atribuir a responsabilidade da crise que o país atravessa aos “2 anos do governo do PSD”, leia-se Governo de Durão Barroso.
Resumindo, Mário Soares esteve bem, mas não esteve imaculado.
A minha opinião é a de que terá tudo a ganhar na exploração da comparação directa de personalidades, conhecimentos e experiências de ambos. Acredito também que, para já à esquerda, rapidamente a tendência das sondagens se vai alterar a seu favor.
Cavaco foge dos jornalistas, prepara metodicamente discursos dos quais não se afasta um milímetro. Mário Soares fica triste quando a entrevista acaba - “Já! Agora que a conversa estava tão agradável!”. Soares estava com muitas saudades, percebe-se pelo olhar feliz e ar jovial que apresenta no fim da entrevista. Fica também claro que Soares se candidata não por causa do país, não por causa do partido, mas por ele próprio.
Num outro momento de elevado nível político, Soares conta mais um episódio: a propósito de uma cimeira, não afirmo com total certeza, ibero-americana, a dado momento tornou-se necessário defender a posição de Portugal sobre determinado assunto. Mário Soares terá interpelado Cavaco Silva para que na qualidade de 1º ministro do país o fizesse. Este terá dito: “fale lá você que tem mais jeito”.
Não tenho a certeza de que Mário Soares tenha mais jeito, mas que ainda tem muito, lá isso tem.