Em função do livro
Sob o Signo da Verdade de Manuel Maria Carrilho ter “descarrilhado” numa série de reacções, debates e discussões, passou a haver muito mais que contar pelo que, ao contrário do que anunciei recentemente, vou separar as vacas (cowparade) do resto para que nada se perca.
O que aparentemente se apresentava como um tiro nos dois pés de um político ressabiado e mau perdedor, acabou por revelar vários pontos verdadeiros, sobretudo se descentrarmos a discussão dos efeitos na derrota do carrilho e a alargarmos ao restante espectro social. A primeira constatação é o contra-ataque corporativista movido pela comunicação social que, incapaz de fazer uma cobertura jornalística imparcial (passe a redundância entre cobertura jornalística e imparcialidade, mas parece ser preciso) do acontecimento, acaba paradoxalmente por dar razão a Carrilho.
O 4º poder à primeira confrontação séria rebela-se, exalta-se, não se contém. Mário Crespo esquece o seu habitual tom monocórdico e quase sussurrante na entrevista que faz a Carrilho a propósito do livro; Fátima Campos Ferreira por várias vezes toma posição e partido num debate que devia apenas moderar; Ricardo Costa, ainda não conseguiu fazer uma intervenção calma e minimamente ponderada sobre este assunto.
É óbvio que Manuel Maria Carrilho não perdeu as eleições por causa da comunicação social, mas também não deixa de ser óbvio que após várias semanas de campanha e 90 minutos de debate o que sobra é um não aperto de mão.
Não tenho nenhum apreço especial por Carrilho, se votasse em Lisboa não votaria nele, mas encarar este livro apenas como “desculpas de mau perdedor” é manifestamente redutor.
Ricardo costa, director da SIC Notícias, apesar de não ser na minha opinião “a cara da vergonha do jornalismo Português”, tem no entanto feito muito nesse sentido. Recordo, ou explico para quem não viu, a má fotografia (mais uma) em que este jornalista ficou no final do programa “Prós & Contras” da passada 2ª feira, ao trazer um artigo que Carrilho escreveu sobre Morais Sarmento onde, num tom irónico, fazia referências ao facto de este ser um ex- toxicodependente. O artigo era de muito mau gosto sem dúvida, a questão é que quando Carrilho refere que se trata de uma resposta a acusações primeiramente feitas por Sarmento e pergunta a Ricardo Costa se tem consigo essas acusações ou se as conhece para que aquele artigo tenha um contexto, este responde que não – o director de um dos meios de referência em Portugal faz em directo tudo o que um bom jornalista não deve fazer. É grave e acontece frequentemente, naturalmente não apenas com Carrilho .
Por muito discutível que seja o livro de Carrilho, algo de muito importante rapidamente aconteceu: escrevem-se artigos, fazem-se debates, publicam-se reacções. Numa palavra, discute-se a comunicação social portuguesa. O mérito pela primeira acção deste género em Portugal já ninguém o pode tirar a Carrilho. Os acontecimentos subsequentes provaram que fazia falta algo do género no seio do corporativismo económico-político que controla os meios de comunicação em Portugal.
As primeiras conclusões de todo este debate e discussão são muito pouco animadoras:
de acordo com uma investigação realizada no âmbito de uma tese de mestrado, mais de 70% das notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social provêem de gabinetes de imprensa ou agências de comunicação, o que compromete a independência das mesmas (notícias) e, talvez mais grave ainda, revela que há uma pré-selecção do que deve ser notícia;
na sequência do ponto anterior, a investigação que deveria ser o pilar de sustentação do jornalismo é substituída pelo laborioso trabalho de compilação do material que chega às redacções. Não há verbas, argumenta-se. Parece que em vez de se pagar a investigação, recebem-se pagamentos para que esta não se faça;
as redacções enchem-se de mão de obra barata (estagiários) sem experiência e por vezes sem qualidade (notória na péssima escrita/reportagem/directos apresentada por alguns meios);
as fontes de informação, quase sempre omitidas ao abrigo da garantia de protecção das mesmas, não são confirmadas ou validadas – a notícia faz manchete na 1ª página ou na abertura do telejornal, o desmentido tem direito a 3 linhas numa caixa minúscula às páginas tantas;
órgãos de comunicação são fontes de informação para outros órgãos de comunicação, sem qualquer preocupação em confirmar a veracidade das notícias – um pequeno exemplo recente no âmbito do futebol: a SIC Notícias avançou há 2 semanas que Carlos Queiroz teria assinado com o Benfica para o cargo de treinador. Além dos jornais desportivos, Público, DN e a rádio TSF (meios onde constatei pessoalmente), fazem repercussão da notícia sob a nota introdutória “De acordo com a SIC Notícias…”. Uma semana depois o treinador apresentado é Fernando Santos. A SIC notícias defende-se com uma má fonte de informação, os restantes sentem-se ilibados porque se limitaram a fazer uma reprodução. Isto é, na prática o que é notícia é a estação ter dado a notícia – mau de mais.
Os Lisboetas não gostaram do Carrilho e não votaram nele, nada mais democrático. Por outro lado, depois de um exercício de liberdade de expressão que visa a comunicação social, há por aí muitos jornalistas que virariam as costas a Carrilho se este lhes estendesse mão.