24 maio, 2006

Ainda bem que "Descarrilhou"

Em função do livro Sob o Signo da Verdade de Manuel Maria Carrilho ter “descarrilhado” numa série de reacções, debates e discussões, passou a haver muito mais que contar pelo que, ao contrário do que anunciei recentemente, vou separar as vacas (cowparade) do resto para que nada se perca.

O que aparentemente se apresentava como um tiro nos dois pés de um político ressabiado e mau perdedor, acabou por revelar vários pontos verdadeiros, sobretudo se descentrarmos a discussão dos efeitos na derrota do carrilho e a alargarmos ao restante espectro social. A primeira constatação é o contra-ataque corporativista movido pela comunicação social que, incapaz de fazer uma cobertura jornalística imparcial (passe a redundância entre cobertura jornalística e imparcialidade, mas parece ser preciso) do acontecimento, acaba paradoxalmente por dar razão a Carrilho.
O 4º poder à primeira confrontação séria rebela-se, exalta-se, não se contém. Mário Crespo esquece o seu habitual tom monocórdico e quase sussurrante na entrevista que faz a Carrilho a propósito do livro; Fátima Campos Ferreira por várias vezes toma posição e partido num debate que devia apenas moderar; Ricardo Costa, ainda não conseguiu fazer uma intervenção calma e minimamente ponderada sobre este assunto.
É óbvio que Manuel Maria Carrilho não perdeu as eleições por causa da comunicação social, mas também não deixa de ser óbvio que após várias semanas de campanha e 90 minutos de debate o que sobra é um não aperto de mão.
Não tenho nenhum apreço especial por Carrilho, se votasse em Lisboa não votaria nele, mas encarar este livro apenas como “desculpas de mau perdedor” é manifestamente redutor.
Ricardo costa, director da SIC Notícias, apesar de não ser na minha opinião “a cara da vergonha do jornalismo Português”, tem no entanto feito muito nesse sentido. Recordo, ou explico para quem não viu, a má fotografia (mais uma) em que este jornalista ficou no final do programa “Prós & Contras” da passada 2ª feira, ao trazer um artigo que Carrilho escreveu sobre Morais Sarmento onde, num tom irónico, fazia referências ao facto de este ser um ex- toxicodependente. O artigo era de muito mau gosto sem dúvida, a questão é que quando Carrilho refere que se trata de uma resposta a acusações primeiramente feitas por Sarmento e pergunta a Ricardo Costa se tem consigo essas acusações ou se as conhece para que aquele artigo tenha um contexto, este responde que não – o director de um dos meios de referência em Portugal faz em directo tudo o que um bom jornalista não deve fazer. É grave e acontece frequentemente, naturalmente não apenas com Carrilho .
Por muito discutível que seja o livro de Carrilho, algo de muito importante rapidamente aconteceu: escrevem-se artigos, fazem-se debates, publicam-se reacções. Numa palavra, discute-se a comunicação social portuguesa. O mérito pela primeira acção deste género em Portugal já ninguém o pode tirar a Carrilho. Os acontecimentos subsequentes provaram que fazia falta algo do género no seio do corporativismo económico-político que controla os meios de comunicação em Portugal.
As primeiras conclusões de todo este debate e discussão são muito pouco animadoras:
de acordo com uma investigação realizada no âmbito de uma tese de mestrado, mais de 70% das notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social provêem de gabinetes de imprensa ou agências de comunicação, o que compromete a independência das mesmas (notícias) e, talvez mais grave ainda, revela que há uma pré-selecção do que deve ser notícia;
na sequência do ponto anterior, a investigação que deveria ser o pilar de sustentação do jornalismo é substituída pelo laborioso trabalho de compilação do material que chega às redacções. Não há verbas, argumenta-se. Parece que em vez de se pagar a investigação, recebem-se pagamentos para que esta não se faça;
as redacções enchem-se de mão de obra barata (estagiários) sem experiência e por vezes sem qualidade (notória na péssima escrita/reportagem/directos apresentada por alguns meios);
as fontes de informação, quase sempre omitidas ao abrigo da garantia de protecção das mesmas, não são confirmadas ou validadas – a notícia faz manchete na 1ª página ou na abertura do telejornal, o desmentido tem direito a 3 linhas numa caixa minúscula às páginas tantas;
órgãos de comunicação são fontes de informação para outros órgãos de comunicação, sem qualquer preocupação em confirmar a veracidade das notícias – um pequeno exemplo recente no âmbito do futebol: a SIC Notícias avançou há 2 semanas que Carlos Queiroz teria assinado com o Benfica para o cargo de treinador. Além dos jornais desportivos, Público, DN e a rádio TSF (meios onde constatei pessoalmente), fazem repercussão da notícia sob a nota introdutória “De acordo com a SIC Notícias…”. Uma semana depois o treinador apresentado é Fernando Santos. A SIC notícias defende-se com uma má fonte de informação, os restantes sentem-se ilibados porque se limitaram a fazer uma reprodução. Isto é, na prática o que é notícia é a estação ter dado a notícia – mau de mais.

Os Lisboetas não gostaram do Carrilho e não votaram nele, nada mais democrático. Por outro lado, depois de um exercício de liberdade de expressão que visa a comunicação social, há por aí muitos jornalistas que virariam as costas a Carrilho se este lhes estendesse mão.

11 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com o teu post e quero realçar um ponto que me parece muito importante:

Parece-me que o Sr. Ricardo Costa, director da Sic Notícias (por sinal um excelente canal de informação) têm o mau hábito de dar uma notícia, uma informação sem antes explicar o porquê e as causas dessa notícia.
Vejamos o exemplo do famoso "não aperto de mão" do Carrilho a Carmona Rodrigues:

Alguém se recorda das acusações cobardes e falsas que Carmona Rodrigues fez durante o bendito debate a Carrilho sobre o uso fraudulento de dinheiros públicos numa casa banho do Palácio da Ajuda?

Alguém se recorda das aberturas dos serviços informativos da Sic notícias e da Sic generalista na altura? Porque não começaram com "Depois de Carmona caluniar Carrilho, este não aperta a mão a Carmona no fim do debate" mas sim com "Carrilho, não aperta a mão a Carmona Rodrigues", "o que pensa da atitude de Carrilho?, "participe no nosso fórum, bla bla"

Agora pergunto, qual é a atitude mais cínica, a de Carmona ou a de Carrilho? Qual foi a mais publicitada, a de Carmona ou a de Carrilho?
Tenho a certeza que a maioria dos portugueses, numa situação daquelas, faria o mesmo que Carrilho fez..

Abraço

Anónimo disse...

A educação cabe em todo o lado e é aí que se vê a grandiosidade das pessoas. O Carrilho já demonstrou o que é: mimado, pensa que é culto e que por isso deve ser idolatrado, e acima de tudo tem a mania que é importante.

Anónimo disse...

Robin:

Difamar uma pessoa sabendo que essa pessoa está inocente é ser-se educado?
Numa situação daquelas preferiria ser mal educado que cínico...

Anónimo disse...

Essa é a diferença entre pessoas de nível e pessoas que perdem as estribeiras quando se "enervam". Pessoas com o nível cultural do Carrilho deveriam saber estar a um determinado nível, até pelo peso que têm am alguns orgãos governamentais. MAs já mostrou, e por várias vezes, a BESTA que é ...

Anónimo disse...

Chamo-lhe genuinidade e não falta de nível.
Percebo agora o porquê de haverem tantas pessoas cínicas e mal formadas que usam e abusam de boatos para conseguirem os seus intentos. São ainda consideradas pessoas "de nível" e com "educação".
Pergunto-te Robin: se te ofendessem seriamente e de forma canalha, conseguirias dar um aperto de mão a essa pessoa?
Tenho para mim que te costumas vangloriar que não cumprimentas certa pessoa somente pela derrota eleitoral que sofresta a seus pés e por não gostar do seu feitio...
Isso é o quê? Falta de nível?

Hugo disse...

Beterraba tem razão no que diz no post. Há, no entanto, algumas coisas que ficam por dizer.
A questão das notícias provirem, em 70 por cento, de press releases e agendas oficiosas deve-se aos leitores. Como sugere o novo muppie da Chupa-Chups, o prazer de chupar também pode estar relacionado com rebuçados. Quem disse que para estar informado, o leitor português, tem que ler jornalismo de investigação logo de manhã nos transportes públicos? Se basta o Destak e o Metro, não vale a pena ir mais longe. Na televisão, o noticiário mais visto é o da TVI – haverá quem consiga explicar?
Sai o primeiro livro de denúncia e logo toda a gente se põe em alvoroço. Não digo que MMC tenha razão. Mas será que lhe é vedado o direito de, em delírio, atacar a comunicação social? Para impunidade, já bastam os juízes. Pelos, vistos é melhor ninguém dizer nada.
O homem não aperta a mão. Torna-se, numa fracção de segundos, num diabo à solta. Uma pessoa que nunca comeria à minha mesa e a quem eu não era capaz... de apertar a mão. Gostava de ter a capacidade de encaixe e perdão que muitos portugueses têm. Só de consciência tranquila se pode condenar a antipatia de MMC. Eu não tenho.

Anónimo disse...

Vou-te contar um pequeno episódio muito simples. Estava numa roda de pessoas e a pessoa que mencionaste e que não cumprimento aproximou-se da roda ( leia-se "roda de pessoas") e começou a cumprimentar as outras pessoas. Antes de ele ter chegado à roda apercebi-me que ele estava a vir e deixei a roda antes que ele lá chegasse alegando que tinha de ir tratar de assuntos urgentes. A isto chama-se evitar situações indelicadas pois não o iria cumprimentar, é verdade. Por isso é que afirmo que existem sempre formas de contornar a situação sem deixar o "nível" cair pela sanita ... ainda mais a pessoa que é, culta, que teve educação mas que não deixa de ser uma BESTA ARROGANTE e MAL EDUCADA que pensa que tem o mundo a seus pés. E se calhar até tem, com os "caldos" que arranja ...

Anónimo disse...

Bem, não quero personalizar mais esta questão.
Reitero, mais uma vez a minha opinião: se houvesse sensibilidade e boa fé, a atitude de Carmona Rodrigues teria tanto ou mais impacto que a atitude de Carrilho. Não teve...

beterraba disse...

A questão das agências e dos press releases é sobretudo relevante porque são eles que definem o que é e o que não é notícia. Quando falo em investigação jornalística não me refiro a grandes teses e a jornalistas infiltrados no seio de gangs sem tomarem banho ou cortar a barba durante meses, para no fim escreverem um livro. Pretendo é referir que o papel dos jornalistas deixa de ser o de fazer jornalismo para se tornarem em simples veiculos retransmissores de mensagens que outros querem passar.
Quanto a Carrilho, qualquer um de nós pode ou não achar relevância ou veracidade no que diz, pode gostar-se ou não da sua postura - eu, por exemplo, acho-o particularmente arrogante e sem carisma - agora, tem o direito de escrever o que bem entende e o dever de se responsabilizar por isso. A verdade é que o grande baluarte da democracia e da liberdade de expressão, a comunicação social, não soube reagir e fez o que Carrilho fez ao Carmona no final do debate - depois de ser atacado e criticado não lhe estendeu a mão.
Ironicamente é a propria comunicação social que faz com que o livro de Carrilho não seja um pormenor no meio disto tudo.

beterraba disse...

Já agora Robin, provavelmente não fui claro no meu post relativamente ao ponto onde queria chegar. Dizer que Carrilho é arrogante, presunçoso, prepotente, que não tem educação é-me perfeitamente irrelevante - é um político, foi candidato e foi "julgado". Agora, e subscrevo o que diz nesse ponto o hugohugo, é tudo isso porque não correspondeu a um aperto de mão e não seria nada disso se o tivesse feito. Ou então é mesmo assim e este acontecimento não tem qualquer importância.
Ocorre-me o episódio em que Sá Pinto de "cabeça quente" esmurrou Artur Jorge - "BESTA ARROGANTE E MAL EDUCADA" é proporcionalmente muito pouco, justo mesmo era um tiro na cabeça.

Hugo disse...

A questão das agências e dos press-releases também se deve à concentração de poderes - principalmente o económico. A verdade é que ninguém nas grandes organizações se chiba e a informação que sai é filtrada da forma como as fontes pretendem, tal como sempre foi, de facto. O que não existe é confrontação de fontes, um processo no qual se tenta averiguar da verdade da informação - é um pouco o princípio do contraditório. Há demasiada confiança na veracidade das fontes e essa informação serve. Mas continuo na minha: uma notícia que diga que metade da população está insatisfeita vende mais que outra que diga que metade da população está satisfeita. E o processo seguido pelos meios de comunicação social é este. É condenável mas é espectacular e as pessoas gostam. Por isso vende mais, é mais rápido de produzir, mais barato, e continua a satisfazer os leitores portugueses. Não estava a falar de um Watergate, claro.