19 dezembro, 2005

Debate político em Portugal, século XXI

Dos oito “debates” realizados até ao momento, prostrei-me diante do televisor em cinco ocasiões, vi dois do princípio ao fim e adormeci, total ou parcialmente, em três. As noites vão frias e o lar, aconchegado pelas fontes artificiais de calor, a isso convida.
Os restantes não os vi, deliberadamente. Tal como não vou ver os dois que ainda faltam, hoje e amanhã, deliberadamente.
Um pouco por acaso acabei por descobrir por que é que todas as expectativas criadas acabaram por se traduzir num longo e saboroso bocejo, que nada impediu de se transformar numa reconfortante soneca. A explicação está aqui, no acordo a que chegaram as televisões RTP, SIC e TVI e as candidaturas de Alegre, Cavaco, Jerónimo, Louçã e Soares. O tamanho da explicação são 27 exaustivos e enfadonhos pontos, onde apenas faltou referir que o Mário Soares não podia tossir, cuspir ou escarrar mais do que 4 vezes por programa, que ao Manuel Alegre só era permitido não saber a resposta a 5 perguntas, que Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã tinham que assinalar no mínimo 2 diferenças entre o discurso apresentado nestas eleições presidenciais e os discursos apresentados para as legislativas e autárquicas e que, por fim, Cavaco Silva seria obrigado de 10 em 10 minutos a dizer alguma coisa.
Provavelmente acabou-se o papel.
Este tratado de não agressão assinado pelos candidatos podia resumir-se em duas pérolas. A primeira é o ponto nº 10:
“10. Em cada debate intervêm 2 jornalistas e a eles é dada a condução das duplas entrevistas;”
Esta referência a debate como dupla entrevista é algo que me deixa fascinado.
A segunda é o ponto nº 12:
“12. Os candidatos são colocados de frente para os jornalistas e a uma distância razoável entre eles e em mesas autónomas;”
Tudo isto é depois enfaticamente anunciado pelas televisões como “o debate que coloca frente-a-frente os candidatos x e y.”
A este respeito gostava de deixar aqui uma mensagem:
E se os senhores candidatos e senhores jornalistas fossem atirar areia para os olhos da puta que vos pariu?
É apenas uma pergunta em jeito de sugestão.
Tanto os jornalistas como Cavaco Silva (a associação surgiu-me espontaneamente), fartaram-se de referir que este é o modelo de debate que vigora em todo o mundo ocidental, não percebendo porque é que não deveria ser aplicado em Portugal.
Pois bem, Senhores jornalistas e Ex.mo Professor Cavaco, eu posso explicar. De nada vale importar os modelos sem importar os políticos. Seria como importar foguetões espaciais e depois colocar aos comandos os pilotos TAP, provavelmente nem chegariam a levantar.
Neste momento não tenho dúvidas de que no lugar de se realizarem 10 entrevistas duplas, teria sido mais vantajoso realizar apenas uma entrevista quíntupla. A soneca seria só uma é certo, mas bem mais prolongada.

PS: Razão tinha esse visionário chamado Luís Delgado que não se cansou de repetir, antes ainda das entrevistas começarem, que estas coisas em nada influenciam o eleitorado (sobretudo aquele que adormece durante os lado-a-lado). Ouvidos lhe fossem dados e não andávamos por aqui a perder tempo.